É incontestável verdade que através do livro “Um Paraíso Perdido” Euclides da Cunha cumpriu a fantástica
missão de revelar a Amazônia à consciência nacional, enquanto esteta da
linguagem, ensaísta e humanista. É uma obra merecedora de múltiplas leituras e
viagens para melhor compreensão do ser humano amazônico e sua interação com a natureza. Aqui é um mundo diferente.
No contexto
em que escreveu a valiosa obra, (1904-1909), Euclides da Cunha vivia um momento
de inquietação pessoal: novos parâmetros sociais, econômicos, políticos e
culturais eram impostos ao cotidiano das pessoas da época. E, embora seja uma obra escrita no
século XIX, ela me parece muito atual, porquanto é inconteste em três áreas: a
Geografia, a História e a Sociologia da Amazônia. Sobre essas áreas há muito
para escrever, dizer, construir. E, embora a obra tenha sido escrita no
contexto das transformações materiais e espirituais da Belle Époque Amazônica,
a viagem euclidiana ainda é bastante atual. Sinaliza, na releitura, que a Amazônia
continua a ser um grande desafio para o mundo. Pela magnitude de “Um Paraíso Pedido” ,
Euclides foi notado como grande conhecedor da Amazônia e cumpriu a missão de revelar a Amazônia à
consciência nacional, em face aos novos parâmetros sociais, econômicos,
políticos e culturais da época.
Em “Um
Paraíso Perdido”, aparece o “seringueiro”, o “cauchero”, o “Judas-Asvero” entre
outras. São figuras humanas que não combinam com a modernidade, ainda que
resistam aos tempos modernos. São obstáculos à civilização do país percebidos
pela sensibilidade do escritor que demonstra um desencantamento do mundo, no
sentido weberiano do termo. Esse desencantamento reflexo dos paradoxos da
modernidade que não alcança todas as pessoas, as desigualdades sociais, o
desconhecido mundo-natureza ao visitante estrangeiro.
“Um Paraíso
Perdido” é, também, uma obra que tenta desconstruir mitos acerca da região. Um
deles era a crença no clima inóspito, descrito por cronistas e viajantes, como
determinante inclusive para o caráter perturbador das pessoas da região.
Euclides da Cunha reconheceu as dificuldades que o estrangeiro tinha em se
aclimatar, mas admitiu não ser o clima o grande responsável pela baixa
densidade demográfica da região e sim a ausência de uma via de transporte e
comunicação por terra, visto que além de perigosa, era muito dispendiosa a
navegação pelos rios da região, daí a necessidade de se construir a Transacreana
(obra que perdura há dois séculos e ainda não reflete as construções deste
século XXI).
Vejamos,
então, que a visão de Euclides é atualíssima. A Amazônia enfrenta as mesmas
dificuldades de dois séculos atrás, com mais agravantes: os rios não são
navegáveis como outrora. Também, as estradas e rodovias não atendem às
necessidades dos habitantes regionais e muitas cidades, construídas após “Um paraíso
pedido”, permanecem, como uma saga, perdidas no tempo, massacradas pelo
assombroso atraso de vias de comunicação e transporte. Mesmo a centenária Capital
do Acre, Rio Branco, não possui voos de empresas aéreas do período diurno, o aeroporto
e um verdadeiro caos, as passagens caras e cansativas. Temos os horários mais
temerários ao bem-estar da vida humana.
Outro
aspecto a considerar, em “Um Paraíso Perdido”, é a natureza como um dos
elementos centrais na narrativa. Ela aparece como opositora do ser humano. É
ela quem dita o significado e o avanço da civilização na Amazônia. De fato a natureza é detentora da qualidade de
vida regional. Hoje, mais do que nunca, a natureza dá respostas. As pessoas
estão destruindo a flora e fauna, as florestas, os rios e, assim, tornando
inóspita (como antes) a vida na Amazônia. Muito bom reler “Um Paraíso Perdido”.
A compreensão da vida regional implica em entender o binômio
“civilização-natureza”.
Percebe-se
em “Um Paraíso Perdido” que Euclides via, na sua leitura amazônica, uma natureza
imperfeita e instável, igualmente um “gigante adormecido ou recalcado”. (Hoje
se rebela com enchentes e secas) Portanto, a ideia euclidiana de natureza está
permeada na fronteira móvel e plástica entre a “primeira” e a “segunda
natureza” idealizadas por Cícero (apud. NAXARA, 2001, p. 27/28): a “primeira
natureza” consiste na natureza selvagem e indócil, ela é a dona de si mesma e
da História. A “segunda natureza” consiste na natureza já trabalhada pelas mãos
do homem, mas ainda não domada completamente.
Percebe-se,
na obra de Euclides da Cunha, o seu desejo de fazer da natureza amazônica a
“terceira natureza”; representação cunhada, ainda no Renascimento, e que serviu
para designar a natureza totalmente domesticada pelo ser humano e, também,
submetida as suas intervenções essencialmente motivadas por valores estéticos,
éticos e morais. Essa é a utopia da obra euclidiana, visto que, a
verticalidade, enquanto elemento do discurso civilizador era completamente
inexistente na região, sendo, portanto a horizontalidade que dominava a
paisagem da Amazônia. Aí reside o binômio “civilização-natureza.”
É certo que
muito necessita ser feito. A Amazônia tem sido olhada como um problema para o mundo.
No entanto ela deve ser vista como solução. Há, aqui, uma natureza rica em
espécies animais e vegetais. Um subsolo desconhecido, enfim, um mundo a ser
desbravado e um povo a ser compreendido, em suas peculiaridades, e necessitado,
ainda, da graça de alcançar as benesses da vida moderna deste século XXI.
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