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segunda-feira, 26 de março de 2018

TRÓPICOS SELVAGENS

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PREFÁCIO
 Prólogo é uma escrita preliminar, como aqui faço, desta atraente obra do escritor Telmo Vieira, intitulada Trópicos Selvagens. É tarefa difícil, porquanto se trata de um romance amazônico, tecido com maestria, num enredo entrelaçado entre os valores humanos, os costumes, a natureza e o viver nativo, onde se desenrola a belíssima história, em narrativa telúrica, tendo por personagens centrais: Itacir - filho do Shaneibú Siã, que desde cedo desenvolveu grande habilidade para as atividades de caça, pesca e o manuseio de armas. Sobressaí-se dentre todos os demais jovens da aldeia. É imbatível nos torneios de medição de força, nas carreiras, na pontaria. Seu amor por Hanayara tem tons de sagrado; Hanayara – jovem índia de 15 anos,  dotada da beleza da vitória-régia e convertida na razão do viver e do penar do jovem guerreiro Huni-Kuin. Linda, beleza sem igual na história da grande nação. É adorada por toda a aldeia por sua meiguice, doçura e candura. É um sonho divino, uma deusa que desceu do céu para habitar a terra e quebrar regras injustas da sua tribo; Eliezér Maciel - caixeiro viajante e representante comercial de uma das maiores firmas de Importação e Exportação da praça da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Rapaz bonito, elegante, possuidor de um caráter modelar, mas com imperfeições humanas, ciumento e vingativo. Entre esses três personagens forma-se o triângulo amoroso. O ano é 1907, início do século XX.
 Refere-se, maior parte da história, às terras dos Hunis-Kuins (gente verdadeira), apelido dado pelos cariús (brancos). Posteriormente de Kaxinawá, indígenas que habitavam, desde tempos imemoriais, o vale Tarauacá, composto pelos rios Tarauacá, Muru, Envira, Jordão e Rio Douro, estes últimos afluentes do Tarauacá, em sua cabeceira, do lado direito.
A romance nem sempre mostra harmonização entre natureza e cultura, como propõe o filósofo alemão Friedrich Schiller (1991), como a única maneira de o ser humano vivenciar sua totalidade, em equilíbrio, por meio da conduta do viver na floresta ou na cidade. O romance descreve o modus vivendi da época, os tabus e preconceitos da sociedade, numa linguagem bem elaborada, quando deixa vazar os sentimentos como arte literária capaz de conduzir o leitor à compreensão dos preceitos que rodeiam os personagens da trama.
Esse modo de o escritor Telmo Vieira compor seu belo romance está em sintonia com os pressupostos literários de que a literatura traduz a vida, harmoniza sentimentos e organiza ou reogarniza as formas caóticas presentes no interior das pessoas. Pois como diz Antonio Candido (2004), o texto literário atua, em grande parte, no inconsciente e no subconsciente. Reside aí a importância da literatura na busca do equilíbrio humano já que “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (CANDIDO, 2004, p.176).
Talvez por esse poder de agir sobre o fazer e o dizer humano, o filósofo grego Platão, afirma, no Livro X, A República, que a literatura representava uma séria ameaça à ordem do mundo grego. Decorrente desse pensamento, propõe a expulsão dos escritores de Atenas, pois a imitação seria apenas uma cópia das aparências e, por isso, só poderia despertar nos ouvintes sentimentos nocivos, nunca a verdade. Essa posição oponente de Platão, em relação aos literatos, é algo que “pode ser considerada elogiosa à  literatura, uma vez que reconheceu nela o poder de intervir na formação do espírito e, assim, da realidade como um todo” (TODOROV,2009, p.8). Assim sendo, o real perigo temido pelos filósofos gregos era justamente a capacidade de a literatura incitar a insatisfação do ser humano na sua condição, o que colocaria em risco a organização do mundo grego, que não admitia questionamentos sobre o papel de cada pessoa na sociedade.
Nessa direção, Antônio Candido (2004) defende a intrínseca relação da literatura com os direitos humanos, pois a leitura do texto literário corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita, sob pena de se mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo, ela organiza, liberta o ser humano do caos e, portanto, o humaniza, como acontece na trama de Trópicos Selvagens, quando os personagens centrais, ao final, harmonizam os sentimentos e a vida segue os costumes e as tradições tribais.
Por tudo isso, “negar a fruição da literatura é mutilar nossa humanidade” (CANDIDO, 2004, p.186). Assim acontece no romance de Telmo Vieira, que ao descrever as mazelas sociais e os costumes de uma tribo quase primitiva, mostra que o mundo dito ”civilizado” necessita de um olhar realista e respeitoso sobre raças e etnias. Em verdade, ele mostra o espaço temporal do livro como um cárcere de grades verdes, onde as pessoas se defendem como o meio permite, conforme observa o poeta Renã Leite Pontes (2018, p. 37), no poema El Hombre Pobre, no livro Oásis e Desertos: ”Quem vê de longe/ não sabe que a mata/hóstia pregada aos pés de um gigante/ cura e mata”.
Observa-se, então, no desenrolar da obra, toda uma vulnerabilidade sociológica, que não é uma chaga moderna ou do contexto amazônico, que o autor faz emergir, magnificamente, no romance, com o foco narrativo em terceira pessoa, sendo o narrador onisciente, ou seja, ele não só possui acesso aos pensamentos e sentimentos dos personagens, como também expõe, ao longo da trama, comentários sobre as atitudes deles. Essa parcialidade e falta de distanciamento do narrador serve para induzir o leitor a acreditar na tese indianista, igualmente àquela de “O Guarani”, de José de Alencar. Aqui, o índio Itacir é o herói salvador, que resgata e acolhe, num gesto sublimado de amor, a sua Hanayara. É um romance cultural e heróico, de leitura agradável e envolvente, ambientado na Amazônia do século XX, numa atmosfera psico-social.
 Ademais, é uma leitura que suscita reflexões sobre a conduta humana, na direção, por certo, de formar pessoas mais críticas e capazes de superar, ao máximo, suas fragmentações que vêm impostas, com maior realce, a partir do advento da modernidade. E, para tanto, é fundamental às pessoas vivenciarem, plenamente, a sua humanidade, e achegarem-se à natureza da qual se afastaram, harmonizando-se com a cultura para alcançarem o equilíbrio possível dentro de si, assim como fez a bela Hanayara, que se valeu de sua índole, como sobrevivente de uma cultura nativa, para punir, à luz de seus conceitos, a selvageria da qual foi vítima, como o leitor irá observar na leitura de Trópicos Selvagens.
Portanto, o ser humano deveria, antes mesmo de buscar viver plenamente a democracia,  encontrar uma vivência plena, capaz de conformar a  sua própria humanidade, através da superação da fragmentação humana a que é submetido nas sociedades ditas modernas. A literatura tem esse poder, propicia o resgate daquela totalidade vivenciada pela antiga civilização grega, quando a educação não formava indivíduos especialistas, mas cidadãos com suas diversas potencialidades desenvolvidas, sem a separação antagônica entre sua razão e sua sensibilidade.
Trópicos Selvagens é um romance que chega para o deleite dos leitores, ávidos para descortinar o cenário amazônico, como fizeram Inglês de Souza, Milton Hatoum, Bruno de Menezes, Dalcídio Jurandir, Haroldo Maranhão, dentre outros, mas que hoje está silencioso, carente de um novo romancista do porte de Telmo Vieira, que chegou para dizer: na Amazônia Ocidental a literatura reacende a chama por meio de um grandioso romance, rico em todos os aspectos, tais como as forças internas da natureza, a floresta, os costumes, elementos que determinam o temperamento das pessoas do lugar. Procedendo assim, o autor permite que o romance seja o espelho proverbial da natureza - a verdadeira natureza humana - em vez de mera fantasia sobre uma terra que nunca existiu, um El dorado imaginário.
E, assim, o romancista tece um enredo que enfatiza os aspectos identitários e culturais da região, que são relevantes e necessários. Primeiro, porque é uma forma de conhecer a diversidade dos grupos humanos que aqui aportaram, indígenas, migrantes internos que possuem formas de vida e trabalho, fracassos e expectativas que se articulam no tecido da narrativa. Segundo, o enredo do romance é uma forma de reconhecer que essa região não é apenas um “patrimônio ecológico estratégico”, mas também uma reserva de formas de vida e relações com o mundo, onde índios, caboclos e europeus trabalhadores vivem alegrias e frustrações. Embora a região seja, hoje, um centro de importância ecológica, é também um centro de elaboração constante de cultura e de imaginários.
Numa palavra final, louvamos esta publicação-inciativa de desmistificação do conceito de índio e da ideologização dos benefícios internos e da tranquilidade dada aos primeiros contatos dos povos autóctones latino-americanos com os grupos exploradores europeus que aqui aportaram. Não por acaso, inexiste voz homogênea diante da vulnerabilidade social e, o tempo e a modernidade, estes titãs, não resolveram os problemas sociais brasileiros, porquanto – agora – somos maioria de subjugados, nas cidades, nas aldeias, neste terceiro mundo, onde está a Amazônia, espaço social onde ecoa a voz de Trópicos Selvagens a iluminar a fé humana, a descrever a cultura, expressá-la na literatura regional, conduzir o leitor à reflexão da vida, dos valores humanos, das diferenças culturais e do amor salvador que enfrenta às adversidades até encontrar o caminho da felicidade.

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Prof.ª Dr.ª Luísa Galvão Lessa Karlberg -- Coordenadora da Pós-Graduação em Língua Portuguesa (Campus Floresta (2010-2018); Orientadora de Pós-Graduação em nível de Mestrado e Doutorado; Orientadora de Pós-Graduação Lato Sensu; Pesquisadora DCR/CNPq (2015-2018); Embaixadora Internacional da Poesia, pela Casa Casimiro de Abreu; Grã-Chanceler J.G. de Araújo Jorge; Presidente da Academia Acreana de Letras - AAL; Membro da International Writers and Artists Association (IWA); Escritora e poeta.

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