Luísa
Karlberg
Presidente
da AAL
A
ACADEMIA ACREANA DE LETRAS - AAL, com profundo pesar,
realizou o Panegírico da estimada Professora FLORENTINA ESTEVES, imortal
que deixa vacante a Cadeira nº 4, que tem por patrono Alexandre de Gusmão.
Filha do espanhol José Esteves e Ida Esteves (paulista de Santos), mais tarde
Ida Rodrigues (por ter casado com outro espanhol de nome José Rodrigues). É
neta de Maria e José Ferrante. Colhi do romancista Telmo Camilo Vieira
(personalidade do segundo distrito, exatamente da “rua da frente”, igualmente
Florentina) a seguinte história: José Rodrigues imigrou para os Estados Unidos
e lá encontrou o amigo José Esteves. José Rodrigues que havia ganhado alguns dólares
convidou o amigo a vir para o Acre e aqui montarem um hotel todo em madeira,
estilo clássico. Assim fizeram, e aqui construíram o Hotel Madrid (espaço que
hoje pertence à Fundação Cultural Elias Mansur), ponto de encontro da elite da
época. José Esteves aqui casou com Ida Ferrante, que tinha um irmão Ministro do
Superior Tribunal de Justiça (Miguel Ferrante) e outro irmão Domingos Jordão
(que foi provedor da Santa Casa por mais de 40 anos). O avô de Florentina foi
Vicente Jordan, um italiano. Florentina Esteves tinha dois irmãos, Maximiniano
(Max) e Manoelito.
Os
avós de Florentina viajavam bastante pela Europa, Oriente, Estados Unidos. O
avô foi executado, em plena rua, em Nova York, pela máfia italiana que buscava
uma pessoa igualzinha a ele, roupa, altura, cabelos etc. Depois disso a avó
veio para São Paulo, mais tarde ao Acre, para nunca ser alcançada pela máfia.
Florentina nasceu em Rio Branco, em 30 de junho de 1931, no Segundo Distrito,
na chamada “Rua da Frente”, hoje Eduardo Assmar, que foi o bairro fundador da
cidade de Rio Branco. Passou toda a sua vida na zona urbana, sem estabelecer
contato direto com o cotidiano da seringa, a não ser por meio das conversas e
de ouvir as pessoas que desembarcavam, diariamente, vindas dos seringais, em frente
ao Hotel Madrid, sua residência e ponto de encontro da “intelectualidade”
local. Seu contato com a vida da selva se fez, sobretudo, por meio da prosa com
Jovita, empregada do hotel, vinda do seringal. Ou seja, Florentina, tal
como muitos outros contistas e romancistas acreanos, dependeu de uma memória
oral. Nessa época, a Amazônia vivia um período intermediário entre os dois
ciclos econômicos da produção gomífera.
Então,
a nossa confreira, ainda muito jovem, com apenas 20 anos, deixou a terra natal
e foi para o Rio de Janeiro, onde se dedicou aos estudos. Na Faculdade de
Filosofia da UFRJ, no ano de 1953, formou-se em Letras Neolatinas. Anos depois,
regressou ao Acre e, aqui, deu grandiosa contribuição como educadora e amante
da Cultura regional. Foi a primeira professora graduada que teve o Acre. Foi
Secretária de Educação entre 1967-1969. Faleceu no Rio de Janeiro, em 25 de
março de 2018, com 87 anos. Na ausência de contato com familiares não sabemos a
causa da morte.
O
Acre muito deve a Professora Florentina Esteves, que foi Secretária de Educação
e excelente professora de francês no Colégio Acreano. Uma mulher de vasta
cultura e muita humanidade. Tinha profundo amor pelas Letras, amante da
literatura, observadora atenta dos costumes da época. Mesmo não tendo
participado da vida nos antigos seringais acreanos, ela sabia, por meio de
interação com as pessoas do meio, a ambiência e a vida do lugar, com todas as
lutas e conquistas. Era uma mulher bem formada e bem informada.
O
maior tributo que o Acre poderá oferecer à imortal Florentina Esteves será
reeditar suas obras, distribuí-las nas escolas, pois são frutos do respeito e
amor à região do Acre, espelhados numa literatura de alta qualidade, nada a
desejar aos grandes nomes que correm pelo país e pelo mundo.
produção
de Florentina permite ao leitor identificar a si, o pai, o avô, o tio, a tia, o
primo, amigos, particularmente na construção de imagens das gentes acreanas. O
contexto histórico centra-se na Batalha da Borracha e a derrocada da economia
após a Segunda Guerra. Talvez, por isso, a obra possui um ‘ar de denúncias’,
pelo fato de as personagens serem limitadas, conformadas nos seus próprios
imaginários, limitadas que são diante das expectativas de vida, impotentes,
considerando não haver, para elas, saída que não seja a conformação ou a morte.
Parece-nos com o Brasil de hoje, quando nós já não acreditamos nas instituições
e num cenário de esperança para os nossos sucessores. Nós, do Brasil de hoje,
igualmente os soldados da borracha, de Florentina Esteves, vivemos a ausência
de confiança no futuro.
Diz
Costa (2013, in Bachelard, em A poética do espaço,1986, p.42) “que os
escritores nos dão seus cofres para ler. Ora, se os cofres funcionam,
simbolicamente, como um dos órgãos da vida psicológica, a franquia deles para o
deleite do leitor significaria a abertura de uma intimidade”.
Foi
a busca da vida íntima da literatura de expressão acreana de Florentina Esteves
que motivou a escrita desse Panegírico, tão bem auxiliado por Costa (2013), no
fabuloso livro “Trajetória
de uma expressão amazônica – o encanto do desencanto em Florentina Esteves”.
No
livro Direito e avesso o leitor encontra a “natureza refúgio” e a
natureza que empareda o ser humano, tirando todas as perspectivas de novidade
de vida. Há, aqui, o rio como signo de esperança, de canal para as novidades
que chegam ao seringal e a morte nas águas turbulentas. Ao tempo que os rios
dão vida, também confinam os seres humanos que habitam na floresta amazônica.
Então,
todas as imagens, personagens, plenos de sonhos e ideais, transcendem à
localização espacial, isso porque nessa selva (espécie de cela) o ser humano é
impedido de desejar, levado a se conformar, como muitos de nós, com essa
realidade do tempo, como nós estamos neste século XXI, quando o panorama
sociocultural nos remete, sempre, de volta a um passado que não se compreende
por inteiro, pois ele ainda está se fazendo.
Para a nossa despedida, valemo-nos das
palavras de Costa (2013, p.54):
Flora, flora, flor, Florentina. Face menina. Face
professora. Face intelectual. Faces/afluentes de um rio sempre fluido, aguando
e sendo aguado em uma terra que conhece como a palma da mão. Afluentes que se
encontram nesse corpo ruivo cujo modo de expressão se dá pelas dobras de uma
linguagem artesanal.
A
Academia Acreana de Letras se despede de Florestina Esteves, mas a eterniza no
coração, na forma de um farol de luz. O destino une e separa. Mas nenhuma força
é grande o suficiente para fazer esquecer a nossa estimada confreira. A morte
não poupa ninguém. — Mors omni aetate communis est. Adeus, ilustre imortal
Professora, escritora, contista, romancista Florestina Esteves.
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