O ATLAS ETNOLINGUÍSTICO
DO ACRE - ALAC
IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
DE NATUREZA LEXICAL
O nível lexical de uma língua é olhado
como o retrato da cultura de um povo. Nele estão refletidos aspectos vinculados
às experiências sociais e culturais de uma comunidade, pois, ao escolher formas
linguísticas para nomear os referentes do mundo físico e do universo simbólico,
o indivíduo revela não somente a sua percepção da realidade, mas compartilha
valores, práticas culturais e crenças do grupo social em que se enquadra.
Em estudo de natureza lexical, como este
que aqui se empreende, objetiva apresentar, por meio da análise linguística ou
análise das Cartas Léxicas, a presença de fronteiras léxicas[1] ou mesmo de
isoglossas no Atlas Etnolinguístico do Acre – ALAC. E, à luz dos teóricos da
Geolinguística, uma isoglossa[2] pode ser
delineada com base em elementos léxicas, ou
seja, na variação presente no uso das palavras para designar um mesmo objeto,
ou idéia, ou ação. Nesse caso, chama-se isoléxica e demarca as regiões em que
determinada palavra é preferida em detrimento de outra para denominar o mesmo
objeto.
Sendo assim, o léxico é o nível da
língua mais influenciado por fatores socioculturais. Segundo Biderman (2001,
p.12):
[...] o léxico de uma língua natural
pode ser identificado como o patrimônio vocabular de uma dada comunidade
linguística ao longo de sua história. Assim, para as línguas de civilização,
esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato, ou seja, uma herança de
signos léxicas herdados e de uma série de modelos e categorias para gerar novas
palavras.
Considera-se a herança linguística o
maior patrimônio que um povo possui, muito embora devido às mudanças, fatos,
acontecimentos e diversidades culturais, as linguagens estão mudando, outras
estão ganhando novos sentidos. Assim, não se deve continuar a ensinar a
língua portuguesa como era no passado, isso porque não é mais possível ignorar
as modificações multiculturais, as quais influenciam no valor lexical. Para
ensinar línguas é necessário contextualizar as expressões, respeitar os
aspectos geográficos, culturais, históricos e linguísticos de cada povo.
O léxico é entendido como “conjunto das
unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um
locutor, etc.”(DUBOIS et al., 2006, p. 364). Ainda, segundo Biderman (2001, p.
179),
O Léxico de qualquer língua constitui um
vasto universo de limites imprecisos e indefinidos. Abrange todo o universo
conceptual dessa língua. Qualquer sistema léxico é a somatória de toda a
experiência acumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura através das
idades. Os membros dessa sociedade funcionam como sujeitos agentes, no processo
de perpetuação e reelaboração contínua do Léxico da sua língua.
Desde há bastante tempo o léxico das
línguas vêm sendo estudados sob variadas perspectivas. Há, de um lado,
pesquisas que se voltam para o estudo histórico desse léxico, descrevendo-o e
analisando-o com base numa abordagem diacrônica. De outra parte, existem
aqueles estudos que, por meio de pesquisa de campo, registram o falar de
determinadas comunidades linguísticas, num plano sincrônico, ou que fazem,
também, um estudo léxico-comparativo entre o estado atual da fala e os
documentos escritos em épocas anteriores, com base, por exemplo, nas
correspondências trocadas entre familiares, amigos etc.
Em verdade, o ato de nomear constitui,
em si só, uma apropriação da cultura. Muitos são os exemplos que se poderia
arrolar sobre a nomeação como ato de apropriação pela linguagem, mas dois são
evidentes. Em Gênesis, a criação do mundo faz-se pela palavra, pela nomeação de
cada uma das partes criadas para a constituição desse mundo. Outro exemplo
revelador é o da aquisição da linguagem pelas crianças. A necessidade da
comunicação, associada à limitada dominação da língua, determina escolhas,
relegando a um segundo momento a aquisição e o domínio de estruturas complexas
e centrando o esforço de comunicação na nomeação do mundo que as cerca.
Posteriormente, as escolhas léxicas serão reveladoras dos valores que cultuam,
das influências sofridas, da história pessoal e coletiva.
Considera-se relevante que um estudo da
dimensão lexical tem, ainda, por objetivo a elaboração de dicionários de língua
geral, estudo que contribuiu para a instituição de disciplinas como a
Lexicologia e a Lexicografia, que são responsáveis por estudos de dimensão
lexical, tais como à elaboração de glossários, dicionários técnico-científicos
e bancos de dados terminológicos que proporcionaram o desenvolvimento de
disciplinas como a Terminologia e a Socioterminologia.
Depreende-se, então, que dessa evolução
teórico-metodológica dos estudos sobre o léxico, a Dialetologia e a Geografia
Linguística estiveram sempre interessadas em registrar o patrimônio lexical de
um passado recente e as mudanças léxicas ocorridas graças às transformações
sociopolíticas e geopolíticas ocorridas numa dada língua, em qualquer parte do
planeta. Por isso, certamente, essas duas disciplinas se mantiveram vivas do
final do século XVIII até os dias atuais.
Interessante observar que no Brasil o
estudo das palavras já despertava interesse desde aquele trabalho de Visconde
de Pedra Branca. Todavia, a partir de 1996, a Dialetologia e Geografia
Linguística tiveram um considerável avanço, que pode ser verificado pelo número
de publicações científicas de grande porte representadas pelos atlas
linguísticos regionais e pelo projeto Atlas Linguístico do Brasil – ALiB –
cujos frutos já se verificam em teses de doutorado, dissertações de mestrado e
artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais, bem como
em encontros dedicados à Geografia Linguística. Muito tem sido feito nesse
campo do conhecimento.
Ademais, sendo as palavras os elementos
mais importantes de uma língua, o estudo do léxico tem caracterizado os estudos
em Dialetologia que sempre demonstraram a urgência que há no registro da
diversidade lexical do português, como afirma Couto (2009, p. 146):
Ao lamentar o desaparecimento dos
dialetos rurais, não estou propugnando por um iletramento, um não-acesso ao DE
[dialeto estatal]. Pelo contrário, estou lamentando a perda de todo um
conhecimento que se vai com o desaparecimento de uma variante do português.
Isso porque, quando uma palavra desaparece, o fato se dá porque a coisa
designada por esta também desapareceu ou, pelo menos, o conhecimento que a
comunidade tinha da coisa, como sabiam os membros da escola dialetológica
Wörter und Sachen (palavras e coisas). O que estou defendendo é a variedade, a
diversidade de dialetos, inclusive o dialeto estatal. Como nos ensina a natureza,
diversidade representa riqueza, no caso riqueza de meios expressivos, o que não
é algo ruim que deve ser extirpado, como querem os normativistas para as
variedades não padrão, não estatais.
O projeto ALiB corrobora toda uma
história de estudos dialetológicos voltados para o registro, entre outros, da
variação lexical. Trata-se de um marco divisório entre estudos dialetológicos
voltados para metodologias que focalizavam o espaço rural e estudos voltados
para o contínuo rural-urbano em razão das mudanças sociopolíticas e econômicas.
Os estudos do léxico têm se beneficiado desse passo importante na história da
dialetologia brasileira.
No Brasil, os estudos de cunho
dialetológico tiveram início, segundo Cardoso (1997), no final do século XIX e início
do século XX. Com publicações como o Dicionário da Língua Brasileira
(PINTO, 1832), o Vocabulário brasileiro para servir de complemento aos
dicionários da Língua Portuguesa (RUBIM,1853), o Popularium sulriograndense e o
dialeto nacional (ALEGRE, 1872), A linguagem popular amazônica (VERÍSSIMO,
1884), O dialeto caipira (AMARAL,1920) e A língua do Nordeste (MARROQUIM,
1934), O linguajar carioca (NASCENTES, 1953), desenvolveram-se estudos que, ao
lado dos glossários regionais, caracterizaram os rumos dos estudos dialetais no
Brasil.
Para resumir as tarefas dos estudos
dialetais, vale citar Cardoso (2010), que destaca o ponto de vista
incontornável de Nelson Rossi (1967, p. 104, apud CARDOSO, 2010, p. 141):
Convirá, porém, nunca esquecer que a
dialetologia é essencialmente contextual: o fato apurado num ponto geográfico
ou numa área geográfica só ganha luz, força e sentido documentais na medida em
que se preste ao confronto com o fato correspondente – ainda que por ausência –
em outro ponto ou outra área.
[1]
Entende-se por fronteira léxica o espaço geográfico que abriga formas
linguíticas que não apresentam unidade nos espaços em que determinadas
palavras foram pesquisadas.
[2]
Uma isoglossa é a fronteira geográfica de certa característica lingüística, por
exemplo, a pronúncia de uma vogal, o significado de uma palavra ou o uso de uma
característica sintática. Consideram-se, na presente pesquisa, isoglossas
nitidamente demarcadas por lavras diferentes para designar o mesmo objeto,
porquanto o estudo prende-se às Cartas Lexicais em três grandes regiões do
Estado do ACRE (VA, VP, VJ) e nove Zona de Pesquisa: Rio Branco, Plácido de
Castro, Xapuri (VA); Sena Madureira, Manoel Urbano, Assis Brasil (VP); Cruzeiro
do Sul, Tarauacá, Feijó (VJ).
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