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terça-feira, 24 de julho de 2018

ATLAS ETNOLINGUÍSTICO DO ACRE - ALAC



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O ATLAS ETNOLINGUÍSTICO DO ACRE - ALAC

IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DE NATUREZA LEXICAL

O nível lexical de uma língua é olhado como o retrato da cultura de um povo. Nele estão refletidos aspectos vinculados às experiências sociais e culturais de uma comunidade, pois, ao escolher formas linguísticas para nomear os referentes do mundo físico e do universo simbólico, o indivíduo revela não somente a sua percepção da realidade, mas compartilha valores, práticas culturais e crenças do grupo social em que se enquadra.
Em estudo de natureza lexical, como este que aqui se empreende, objetiva apresentar, por meio da análise linguística ou análise das Cartas Léxicas,  a presença de fronteiras léxicas[1] ou mesmo de isoglossas no Atlas Etnolinguístico do Acre – ALAC. E, à luz dos teóricos da Geolinguística, uma isoglossa[2] pode ser delineada com base em elementos léxicas, ou seja, na variação presente no uso das palavras para designar um mesmo objeto, ou idéia, ou ação. Nesse caso, chama-se isoléxica e demarca as regiões em que determinada palavra é preferida em detrimento de outra para denominar o mesmo objeto.
Sendo assim, o léxico é o nível da língua mais influenciado por fatores socioculturais. Segundo Biderman (2001, p.12):
[...] o léxico de uma língua natural pode ser identificado como o patrimônio vocabular de uma dada comunidade linguística ao longo de sua história. Assim, para as línguas de civilização, esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato, ou seja, uma herança de signos léxicas herdados e de uma série de modelos e categorias para gerar novas palavras.
Considera-se a herança linguística o maior patrimônio que um povo possui, muito embora devido às mudanças, fatos, acontecimentos e diversidades culturais, as linguagens estão mudando, outras estão ganhando novos sentidos. Assim, não se deve  continuar a ensinar a língua portuguesa como era no passado, isso porque não é mais possível ignorar as modificações multiculturais, as quais influenciam no valor lexical. Para ensinar línguas é necessário contextualizar as expressões, respeitar os aspectos geográficos, culturais, históricos e linguísticos de cada povo.
O léxico é entendido como “conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc.”(DUBOIS et al., 2006, p. 364). Ainda, segundo Biderman (2001, p. 179),
O Léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e indefinidos. Abrange todo o universo conceptual dessa língua. Qualquer sistema léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura através das idades. Os membros dessa sociedade funcionam como sujeitos agentes, no processo de perpetuação e reelaboração contínua do Léxico da sua língua.
Desde há bastante tempo o léxico das línguas vêm sendo estudados sob variadas perspectivas. Há, de um lado, pesquisas que se voltam para o estudo histórico desse léxico, descrevendo-o e analisando-o com base numa abordagem diacrônica. De outra parte, existem aqueles estudos que, por meio de pesquisa de campo, registram o falar de determinadas comunidades linguísticas, num plano sincrônico, ou que fazem, também, um estudo léxico-comparativo entre o estado atual da fala e os documentos escritos em épocas anteriores, com base, por exemplo, nas correspondências trocadas entre familiares, amigos etc.
Em verdade, o ato de nomear constitui, em si só, uma apropriação da cultura. Muitos são os exemplos que se poderia arrolar sobre a nomeação como ato de apropriação pela linguagem, mas dois são evidentes. Em Gênesis, a criação do mundo faz-se pela palavra, pela nomeação de cada uma das partes criadas para a constituição desse mundo. Outro exemplo revelador é o da aquisição da linguagem pelas crianças. A necessidade da comunicação, associada à limitada dominação da língua, determina escolhas, relegando a um segundo momento a aquisição e o domínio de estruturas complexas e centrando o esforço de comunicação na nomeação do mundo que as cerca. Posteriormente, as escolhas léxicas serão reveladoras dos valores que cultuam, das influências sofridas, da história pessoal e coletiva.
Considera-se relevante que um estudo da dimensão lexical tem, ainda, por objetivo a elaboração de dicionários de língua geral, estudo que contribuiu para a instituição de disciplinas como a Lexicologia e a Lexicografia, que são responsáveis por estudos de dimensão lexical, tais como à elaboração de glossários, dicionários técnico-científicos e bancos de dados terminológicos que proporcionaram o desenvolvimento de disciplinas como a Terminologia e a Socioterminologia.
Depreende-se, então, que dessa evolução teórico-metodológica dos estudos sobre o léxico, a Dialetologia e a Geografia Linguística estiveram sempre interessadas em registrar o patrimônio lexical de um passado recente e as mudanças léxicas ocorridas graças às transformações sociopolíticas e geopolíticas ocorridas numa dada língua, em qualquer parte do planeta. Por isso, certamente, essas duas disciplinas se mantiveram vivas do final do século XVIII até os dias atuais.
Interessante observar que no Brasil o estudo das palavras já despertava interesse desde aquele trabalho de Visconde de Pedra Branca. Todavia, a partir de 1996, a Dialetologia e Geografia Linguística tiveram um considerável avanço, que pode ser verificado pelo número de publicações científicas de grande porte representadas pelos atlas linguísticos regionais e pelo projeto Atlas Linguístico do Brasil – ALiB – cujos frutos já se verificam em teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais, bem como em encontros dedicados à Geografia Linguística. Muito tem sido feito nesse campo do conhecimento.
Ademais, sendo as palavras os elementos mais importantes de uma língua, o estudo do léxico tem caracterizado os estudos em Dialetologia que sempre demonstraram a urgência que há no registro da diversidade lexical do português, como afirma Couto (2009, p. 146):
Ao lamentar o desaparecimento dos dialetos rurais, não estou propugnando por um iletramento, um não-acesso ao DE [dialeto estatal]. Pelo contrário, estou lamentando a perda de todo um conhecimento que se vai com o desaparecimento de uma variante do português. Isso porque, quando uma palavra desaparece, o fato se dá porque a coisa designada por esta também desapareceu ou, pelo menos, o conhecimento que a comunidade tinha da coisa, como sabiam os membros da escola dialetológica Wörter und Sachen (palavras e coisas). O que estou defendendo é a variedade, a diversidade de dialetos, inclusive o dialeto estatal. Como nos ensina a natureza, diversidade representa riqueza, no caso riqueza de meios expressivos, o que não é algo ruim que deve ser extirpado, como querem os normativistas para as variedades não padrão, não estatais.

O projeto ALiB corrobora toda uma história de estudos dialetológicos voltados para o registro, entre outros, da variação lexical. Trata-se de um marco divisório entre estudos dialetológicos voltados para metodologias que focalizavam o espaço rural e estudos voltados para o contínuo rural-urbano em razão das mudanças sociopolíticas e econômicas. Os estudos do léxico têm se beneficiado desse passo importante na história da dialetologia brasileira.
No Brasil, os estudos de cunho dialetológico tiveram início, segundo Cardoso (1997), no final do século XIX e início do século XX. Com publicações como o  Dicionário da Língua Brasileira (PINTO, 1832), o Vocabulário brasileiro para servir de complemento aos dicionários da Língua Portuguesa (RUBIM,1853), o Popularium sulriograndense e o dialeto nacional (ALEGRE, 1872), A linguagem popular amazônica (VERÍSSIMO, 1884), O dialeto caipira (AMARAL,1920) e A língua do Nordeste (MARROQUIM, 1934), O linguajar carioca (NASCENTES, 1953), desenvolveram-se estudos que, ao lado dos glossários regionais, caracterizaram os rumos dos estudos dialetais no Brasil.
Para resumir as tarefas dos estudos dialetais, vale citar Cardoso (2010), que destaca o ponto de vista incontornável de Nelson Rossi (1967, p. 104, apud CARDOSO, 2010, p. 141):
Convirá, porém, nunca esquecer que a dialetologia é essencialmente contextual: o fato apurado num ponto geográfico ou numa área geográfica só ganha luz, força e sentido documentais na medida em que se preste ao confronto com o fato correspondente – ainda que por ausência – em outro ponto ou outra área.


[1] Entende-se por fronteira léxica o espaço geográfico que abriga formas linguíticas que não apresentam unidade nos espaços em que  determinadas palavras foram pesquisadas.
[2] Uma isoglossa é a fronteira geográfica de certa característica lingüística, por exemplo, a pronúncia de uma vogal, o significado de uma palavra ou o uso de uma característica sintática. Consideram-se, na presente pesquisa, isoglossas nitidamente demarcadas por lavras diferentes para designar o mesmo objeto, porquanto o estudo prende-se às Cartas Lexicais em três grandes regiões do Estado do ACRE (VA, VP, VJ) e nove Zona de Pesquisa: Rio Branco, Plácido de Castro, Xapuri (VA); Sena Madureira, Manoel Urbano, Assis Brasil (VP); Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Feijó (VJ).



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