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domingo, 12 de julho de 2009

MISTÉRIOS DA PALAVRA SAUDADE



Perguntou-me um acadêmico, certa vez, se a palavra saudade existe apenas no português ou é conhecida também em outras línguas. Respondi-lhe daquilo que sabia, que saudade veio do latim solitas, solitatis, por meio das formas arcaicas soedade, soidade e suidade, sob a influência de saúde e saudar (ver o Caldas Aulete e o Aurélio). Solitas, em latim, significa “solidão”, desamparo”, “abandono”, “deixação” (Saraiva, Novíssimo Dicionário Latino-Português), do que resultam alguns dos significados que tem saudade: “desejo de um bem do qual se está privado”; “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.

Ao que parece, essa forma, com o mesmo significado, não é encontrada em outras línguas românicas. Quanto a ser exclusividade do português nada podemos dizer, se não que outras línguas podem expressar a mesma idéia de “saudade”, mas com mais de uma palavra. As línguas descrevem de forma diferente a realidade e os sentimentos, que também podem não ser os mesmos nos diversos povos. Cada povo vê os fenômenos do mundo da mesma forma que os outros, mas “interpreta” tudo isso de forma diferente, conforme as estruturas de sua cultura, ou seja, a concepção das coisas do mundo por um povo tem relação com a sua cultura e língua e é, de certa forma, refletida nesta, tanto no aspeto semântico quanto no gramatical.

Um exemplo bem conhecido dessa relação entre a língua e as concepções dos falantes é o das palavras que designam termos correlatos como frio, gelo, neve etc.: enquanto os astecas tinham apenas uma palavra para designar esses conceitos, os esquimós têm mais de dez termos para designar gelo e neve, especificando matizes de cor e pormenores do estado sólido da água que outro povo não distingue. Isso ocorre também com as cores: em muitas línguas do ocidente, como o português, o azul e o verde distinguem-se como cores diferentes; já para os falantes do guarani e do tupi (segundo o que consta, também os do japonês) o azul e o verde, que nós temos como cores distintas, são apenas matizes de uma mesma cor. Nas línguas indo-européias (neolatinas, germânicas, eslavas etc.) faz-se distinção muito nítida entre pai e tio, entre mãe e tia; no tupi, porém, o pai e os irmãos homens deste eram designados pela mesma palavra, ocorrendo o mesmo com a mãe e suas irmãs: sy, portanto, pode ser tanto “mãe” como “tia materna”; tuba, tanto “pai” como “tio paterno”. Só se compreende esse uso dos termos referentes às relações de parentesco por meio do exame dessas relações na vida social do grupo em questão.

Por tudo isso, o fato de uma língua não ter palavra que, por si mesma, possa traduzir-se por “saudade” não significa que o povo que a fala não conheça tal sentimento: tal conceito pode ser, nessa língua ou em outras, expresso por mais de uma palavra. Além disso, um povo pode conceber a idéia de “saudade” em combinação com outro(s) sentimento(s), do que resulta novo conceito, veiculado por uma ou mais palavras. Diz o professor Napoleão Mendes de Almeida no verbete “Saudade, saudades” de seu Dicionário de Questões Vernáculas: “a capacidade de receber impressões é uma só na humanidade; não existe rigidez filológica capaz de obumbrar o sentimento de uma nação. Cremos ser procedimento psicofilológico correto este de aceitar em outros idiomas, ainda que não se conheçam, a existência de equivalências a palavra e a expressões nossas; que orgulho é este de achar que outros povos não vivem?”

No que toca ao uso de saudade, temos que essa palavra pode aparecer tanto no singular quanto no plural, conservando o mesmo sentido, o que ocorre também com parabéns, pêsame, felicitação, felicidade e outras palavras, que pouco a pouco passaram a ser usadas no plural, muito embora o singular, com o mesmo sentido, também seja correto. Quando usada a palavra saudade com possessivos, a posição destes implica mudança no sentido da frase, como vemos nas orações “Senti saudades suas” e “Tais são suas saudades”. A primeira significa o mesmo que “Senti saudades de você”, enquanto a outra tem o sentido de “Tais são as saudades que você sente”.





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A vida da gente é feita assim: um dia o elogio, no outro a crítica. A arte de analisar o trabalho de alguém é uma tarefa um pouco árdua porque mexe diretamente com o ego do receptor, seja ele leitor crítico ou não crítico. Por isso, espero que os visitantes deste blog LINGUAGEM E CULTURA tenham coerência para discordar ou não das observações que aqui sejam feitas, mas que não deixem de expressar, em hipótese alguma, seus pontos de vista, para que aproveitemos esse espaço, não como um ambiente de “alfinetadas” e “assopradas”, mas de simultâneas, inéditas e inesquecíveis trocas de experiências.