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quarta-feira, 23 de julho de 2008

O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS: ENSINAR, FORMAR, EDUCAR E INSTRUIR


Educar, como tantos acreditam, não é ministrar conteúdos. É, antes de tudo, despertar aptidões naturais nas pessoas e orientá-las, aprimorando-lhes as faculdades intelectuais, físicas e morais. Por isso, manifestei, dia desses, preocupação com o comportamento desagregador e destrutivo de jovens estudantes na vizinhança de uma escola pública, no Bairro José Augusto, na capital Rio Branco.

Sábado, 19.07.08, no Jornal “A Gazeta”, li brilhante artigo do jovem jornalista Rutemberg Crispim, intitulado “Juventude sem sonhos”. Uma leitura recomendável aos pais, alunos, professores, educadores, a sociedade em geral. Ali o jornalista diz ser necessário investir mais e melhor na juventude. É preciso corrigir falhas para que elas não se transformem, no futuro, em caos.

O que todos desejamos é uma sociedade harmônica, onde cada pessoa saiba se conduzir, sem agredir, insultar, maltratar, matar o seu semelhante. Esse triste fato, envolvendo jovens entre 19 e 20 anos, em crime brutal, tendo como vítima o Conselheiro de Saúde Joseh Alexandre Leitão, assusta, preocupa as pessoas, particularmente aquelas que têm filhos em processo de formação, que necessitam receber boa formação escolar e familiar. Essas duas instituições são a redenção da humanidade.

Por isso, o artigo de hoje reflete o significado de quatro palavras importantes, que só ganham sentido quando trabalhadas no processo educacional, partilhadas na instituição da família e ancoradas pelo corpo social: ensinar, formar, educar e instruir. O educar se constitui no processo onde a criança ou o adulto convive com o outro. E, ao conviver com o outro, se transforma, espontaneamente, com um modo de viver mais harmônico, com o seu espaço e o espaço do outro. E esse conviver se aprende na família e na escola. Depois disso é a vida real, com os “casos” e “acasos”, como disse a professora daquela escola, na sua contestação ao meu texto. Não compreendeu que a educação humana tem como fundamentos a prática dos valores universais: verdade, retidão, paz, amor e não-violência. É um processo que não se esgota nas paredes das salas de aula, transcende os muros de uma escola.

Não carrego questão pessoal contra estudantes, professores, administradores do colégio vizinho. Meu sagrado dever no magistério impõe preocupação mais nobre com pessoas, particularmente aquelas com comportamentos destoantes do meio social e dos preceitos educacionais. É desejo nosso que os alunos, modo geral, cresçam e se vejam cidadãos, sabendo aquilo que podem e não podem fazer. Uma vida, em comunidade, exige um conjunto de regras a serem cumpridas. Então, que a escola contextualize a educação curricular, também, para o viver social. Transmitir conteúdos e obter notas elevadas no IDEB não vai servir de nada se esses jovens não aprenderem as regras do bom convívio social. Os conteúdos curriculares não devem ser guardados em gavetas ou folhas de papel, mas aplicados na vida. A educação, enquanto sistema, configura um mundo, e os educandos confirmam, em seu viver, o mundo que vivem na educação escolar e familiar.
Para explicitar, com maior clareza, aquilo que percebo prioritário ao sistema educacional, trago um estudo etimológico de quatro palavras básicas do vocabulário pedagógico-educacional: ensinar, formar, educar e instruir. O objetivo é caracterizar as nuances de seus significados e a história contextualizada de seus sentidos. Com isso, é possível ofertar elementos capazes de iluminar as idéias pedagógicas no ambiente cultural em que vivemos – também no interior daquela escola e fora dela --- para construir uma sociedade mais humana, sem que se leiam notícias como essa tragédia que fala Rutemberg Crispim, envolvendo jovens que poderiam estar imbuídos do bem social e não à margem dele.
E por que elegi essas palavras? Porque elas são o norte no sistema educacional em todo o mundo. Não é uma invenção de momento. Elas carregam um significado que deve ser lembrado, diariamente, na vida dos educadores, ao lidar com alunos, com a comunidade. Vygotsky -- professor e pesquisador russo, contemporâneo de Piaget --- construiu uma teoria de caráter histórico-social, onde a questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Ele diz que “uma palavra sem significado é um som vazio’. Então, o sistema educacional deve ouvir as vozes sociais, para trabalhar nas respostas que equacionem a vida das pessoas. Sem essa preocupação o sistema perde seu real valor. A educação não existe para si mesma, mas para melhorar a vida dos seres humanos em sociedade.
A palavra ensinar surgiu no Séc. XI, na língua francesa enseigner e, no Séc. XIII, na língua portuguesa, vindo do latim insignare, que significa indicar, designar, marcar com um sinal. Ao tempo que pode transmitir uma idéia de imposição, pode, por outro lado, indicar o nascimento do caráter do estudante, uma vez que, em grego, sinal é Karakter. Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo ensino-aprendizagem, na moldagem da cidadania.
A palavra formar, registrada no francês do Séc. XII, former, e no português do Séc. XIII, veio do latim formare, verbo que remete ao substantivo forma, ou seja, fôrma, molde. Essa palavra formar guarda um significado concreto, mas alcança, também, um registro abstrato, de natureza filosófica, que nos lembra Platão, ou melhor, a tradução latina (forma) do grego eidós, por sua vez ligado a idéia. E no seu sentido mais nobre, polido, evoca o processo de fazer aflorar o conhecimento, como sugere Platão. Esta concepção platônica serve de pano de fundo e inspiração para a filosofia pedagógica de Dewey, que tanta influência teve no Brasil.

A palavra educar, presente em português e em castelhano, é registrada no séc. XVII. Aparece em francês no séc. XIV, como éduquer. Do latim educare, forma derivada de educere, contém a idéia de conduzir. A palavra educar representa uma práxis em que se focaliza, enfaticamente, a finalidade e os objetivos do processo pedagógico. Seu uso foi difundido através da publicação de Emílio, de Jean-Jacques Rousseau (1762), um marco da filosofia iluminista, por um dos mais eminentes enciclopedistas. Portanto, fica claro que as idéias de Progresso, implícitas no Iluminismo, difundidas pela Encyclopédie e, em última instância, associadas à Revolução Francesa, se traduzem e se condensam no verbo Educar.

A palavra instruir, do latim instruere, surge em português no séc. XVI. Em francês, instruire entrou no vocabulário no séc. XII, na forma enstruire, cujo final sofreu a influência de construire. A palavra chegou ao latim com uma raiz indo-européia, significando semear, lançar grãos ao solo, estender. Daí vieram, também, outras palavras, como construir, que originalmente significava semear coletivamente. A palavra instruir, uma das mais antigas para indicar o processo pedagógico, carregando o belo significado original de semear, evoluiu, na contemporaneidade, para treinamento de atividades mecânicas e repetitivas. Mas instruere ressurge em construir, isto é, semear coletivamente. Esta é a palavra que nos últimos tempos tem sintetizado e veiculado as posições pedagógicas mais avançadas.

Estas palavras ensinar, formar, educar e instruir, pelos sentidos que transportam, mostram que no processo pedagógico-educacional elas podem duplicar o mundo, criar nele espaço para todos, numa vida de respeito, dignidade, harmonia, educação. Pois não há consciência, nem discurso interior sem palavras, ainda mais quando elas se esvaziam. Assim, não há educação sem a execução do sentido real dessas palavras. As palavras não carregam sentidos por simples enfeite ou adereços, constituem o meio pelo qual se produzem acumulações quantitativas e qualitativas de mudanças, que possam fazer brotar nos jovens --- o futuro do mundo -- uma nova forma ideológica de sentir, viver e construir o processo educacional, trazendo significativos resultados à vida cotidiana. Construir é semear e dessa semeadura participam alunos e professores. A colheita é uma nova sociedade, um novo conceito de cidadania, é a felicidade.

DICAS DE GRAMÁTICA

BANCO QUE VOCÊ CONFIA ou O BANCO EM QUE VOCÊ CONFIA? - Quem confia, confia em alguma coisa. Portanto, ‘O banco em que você confia’.

DESCULPE A NOSSA FALHA, está correto falar assim? - Não. Se você passa alguma informação errada em seu blog, no jornal, não diga “desculpe a nossa falha”. Quem desculpa, desculpa alguém de (ou por) alguma coisa. Então: Desculpe-nos pela falha.


5 comentários:

Luísa Galvão Lessa Karlberg disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Luísa, mais uma vez ler o seu pensamento me faz voltar pra sala de aula. As colocações sobre educar, formar, ensinar, instruir, estão perfeitas.

Em sociologia da educação que era a minha matéria como professora do Centro de Educação/UFPa tentávamos mostrar a diferença entre educação informal (a que ocorre continuamente pelo processo mesmo de viver em contato com tantos padrões de comportamento, vindos das mais diversas origens)e a formal (a que se prepara de modo especial para finalidades explicitadas na filosofia e na prática de escolas das mais diversas cores).

Infelizmente, pela quebra violenta da tecitura que antes envolvia a família e o longo período em que filhos ficavam sob a tutela dos pais e da família extensa, os que precisam receber educação não têm à sua disposição o reforço do exemplo, a presença dos guardiães, enfim, há uma desestruturação da família e as comunidades foram perdendo a sua característica educadora por excelência porque os controles face-a-face passaram a se tornar praticamente impossíveis.Há todo um arcabouço socio-cultural modificado pelas mudanças profundas porque passam todas as instituições sociais que têm a seu encargo o cuidado com os "neófitos" e as organizações que visam lucros imediatos como as gangs e todo tipo de grupo contraventor se tornam rapidamente capazes de usar o dinamismo do ser infanto-juvenil para obterem rapidamente os seus objetivos.

Quando a gente estuda socialização nos capítulos iniciais de sociologia da educação, percebe que a socialização também pode ser usada para preparar novos membros de gangs, os sistemas de lealdade estão profundamente modificados na sociedade de massas. Veja-os no Oriente Médio as pessoas-bombas se imolando, os jovenzinhos usados em guerras e bem pertinho de nós, nas Farc.

Há toda uma discussão filosófica e sociológica que tem de ser trazida constantemente a primeiro plano, para discutir toda a problemática da educação das novas gerações numa sociedade profundamente conflitada em seus valores básicos. Claro que num comentário como este apenas podemos aflorar muito superficialmente o assunto.

Beijos gratos por tão belo artigo,

Lila Rayol

Anônimo disse...

Luísa, mais uma vez ler o seu pensamento me faz voltar pra sala de aula. As colocações sobre educar, formar, ensinar, instruir, estão perfeitas.

Em sociologia da educação que era a minha matéria como professora do Centro de Educação/UFPa tentávamos mostrar a diferença entre educação informal (a que ocorre continuamente pelo processo mesmo de viver em contato com tantos padrões de comportamento, vindos das mais diversas origens)e a formal (a que se prepara de modo especial para finalidades explicitadas na filosofia e na prática de escolas das mais diversas cores).

Infelizmente, pela quebra violenta da tecitura que antes envolvia a família e o longo período em que filhos ficavam sob a tutela dos pais e da família extensa, os que precisam receber educação não têm à sua disposição o reforço do exemplo, a presença dos guardiães, enfim, há uma desestruturação da família e as comunidades foram perdendo a sua característica educadora por excelência porque os controles face-a-face passaram a se tornar praticamente impossíveis.Há todo um arcabouço socio-cultural modificado pelas mudanças profundas porque passam todas as instituições sociais que têm a seu encargo o cuidado com os "neófitos" e as organizações que visam lucros imediatos como as gangs e todo tipo de grupo contraventor se tornam rapidamente capazes de usar o dinamismo do ser infanto-juvenil para obterem rapidamente os seus objetivos.

Quando a gente estuda socialização nos capítulos iniciais de sociologia da educação, percebe que a socialização também pode ser usada para preparar novos membros de gangs, os sistemas de lealdade estão profundamente modificados na sociedade de massas. Veja-os no Oriente Médio as pessoas-bombas se imolando, os jovenzinhos usados em guerras e bem pertinho de nós, nas Farc.

Há toda uma discussão filosófica e sociológica que tem de ser trazida constantemente a primeiro plano, para discutir toda a problemática da educação das novas gerações numa sociedade profundamente conflitada em seus valores básicos. Claro que num comentário como este apenas podemos aflorar muito superficialmente o assunto.

Beijos gratos por tão belo artigo,

Lila Rayol

Anônimo disse...

Luiza, bom dia! Artigo bem interessante! Por acaso, você se inspirou no artigo seguinte: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v12n2/08.pdf ? Na afirmativa, seria muito bem vindo citar a fonte! Abraço

Anônimo disse...

Estou grato pelas dicas gramaticais, afinal de contas todos precisamos de voltar a carteira. Parabens luisa.

A vida da gente é feita assim: um dia o elogio, no outro a crítica. A arte de analisar o trabalho de alguém é uma tarefa um pouco árdua porque mexe diretamente com o ego do receptor, seja ele leitor crítico ou não crítico. Por isso, espero que os visitantes deste blog LINGUAGEM E CULTURA tenham coerência para discordar ou não das observações que aqui sejam feitas, mas que não deixem de expressar, em hipótese alguma, seus pontos de vista, para que aproveitemos esse espaço, não como um ambiente de “alfinetadas” e “assopradas”, mas de simultâneas, inéditas e inesquecíveis trocas de experiências.